Etiquetas

, ,

Considerava-se mais do que uma sobrevivente, uma guerreira, e queria mostrá-lo.

Havia quem tatuasse, como o seu irmão fizera. Ainda considerou fazer o mesmo, mas havia sempre algo que a impedia de dar o último o passo. No fundo, veio a compreender que não era a forma de expressão dela. Precisava de algo único, algo seu. Depois houve um dia em que contemplou com novos olhos o projecto da disciplina de Design de Roupa e encontrou a inspiração que precisava.

Agarrou numa folha e caneta, e foi o choque da realização genial que traçou os primeiros traços. Depois, veio o sonho e por último, a arte. Levou alguns dias a encontrar o que queria: os tecidos, a camisola prateada e as calças brancas, mas valeu a pena. Sob o olhar divertido da avó, criou o molde para uma tabardilha. Só a ideia de cortar mal o tecido paralizou-a vezes suficientes para que a avó assumisse aquela etapa. A seguir, foi para as máquinas: primeiro a corta-e-cose para limar as bordas dos tecidos com as suas cores preferidas, o verde e o amarelo; segundo a máquina de coser para unir as diferentes peças. A avó ajudou-a a marcar a cinta da tabardilha, dando um ar mais feminino àquele tipo de roupa.

Chegou o dia.

Vestiu as calças de ganga brancas e a camisola prateada com um brilho incorporado no tecido. Colocou a tabardilha por cima e um cinto preto sobre ela. Decidiu deixar o cabelo solto – chegava-lhe aos ombros e era negro, tal como o da mãe. Ajeitou a boina cinzenta e finalizou calçando umas botas de cano pequeno, pretas.

A avó, ao vê-la à porta da cozinha, que cheirava sempre a biscoitos, não disse nada, mas tinha um sorriso grande e lágrimas nos olhos. Aproximou-se da neta, agarrou-lhe nas mãos e beijou-a na testa. Ela própria estava pronta com um vestido negro, num estilo mais conservador.

Ouviram a porta da entrada a abrir-se e a fechar-se. Passos ecoaram e as duas viraram-se para o irmão dela. Olhou-a de alto a baixo e acenou agradado. A semelhança com a mãe fê-lo dizer com uma voz estrangulada:

– O pai teria aprovado… – Aproximou-se da avó e beijou-a na bochecha, que cheirava a pó de arroz.

– Vamos? – Perguntou ela e num acordo silencioso encaminharam-se para sair de casa. O carro estava estacionado do lado de lá da pequena cerca branca e a viagem até ao cemitério foi curta. Ainda que o ambiente tivesse descontraído, o silêncio caiu naturalmente sobre eles à chegada. Havia mais carros, mais gente. Acenaram respeitosamente a quem conheciam, mas não pararam até chegarem a uma campa de mármore branco.

Não tinham levado flores como tributo à mãe, que sempre se recusara a ter flores em jarras com água em casa. Foram recebidos pela fotografia dos pais e avó soluçou perante o amor espelhado na cara do filho e da nora que aprendera e aceitara como filha. Os irmãos deram as mãos, renovando a promessa de que sobreviveriam e deixariam os pais orgulhosos, onde quer que estivessem.

Por baixo do lema do pai deles, “Forte como um tigre, gracioso como um cisne e esperto como um macaco”, gravado com o tipo de letra elegante preferido da mãe, estava datado 11 de Setembro de 2001.

 

Palavra do Dia foi: Tabardilha